“O destino tem as suas ironias. Há um ano, o PSD lamentava a “claustrofobia” que, por culpa do Governo, afligia o país. Agora, chegou a vez de o país deplorar a claustrofobia que, por obra da troika Santana-Ribau-Menezes, atormenta o PSD. Na última semana, com um presidente de câmara ameaçado de inquisição e outro despachado com um sarcástico “obrigado”, ficou-se a saber o que custa ter opiniões divergentes no PSD. Entretanto, a troika ofereceu-se a si própria a garantia de um eleitorado de bolso, pago a notas. Menezes já prometeu que só sai à “bomba”. Em organizações democráticas, não são geralmente precisas bombas para substituir os líderes: bastam votos. Mas Menezes sabe certamente que, no “seu” PSD, nunca mais os votos chegarão para remover o presidente do partido.
Como quase todos os autoritarismos, este é filho da falta de autoridade. A troika Menezes-Santana-Ribau não se sente segura no PSD. É verdade que traz sempre as “bases” na boca. Mas Menezes venceu umas eleições que a sua candidatura, até descobrir que as tinha ganho, denunciou como “irregulares”. Quem sabe o que queriam as “bases”? E agora, com o presente sistema, quem o pode saber? Menezes foi um efeito perverso do calculismo dos chamados “barões”, que tinham previsto usá-lo para enfraquecer Marques Mendes, mas não para lhe suceder. O efeito pretende, agora, resistir à causa. E por isso, Menezes vai passar o seu tempo a fazer oposição à sua oposição interna. Quanto ao Governo, resta-lhe esperar que o PCP e uma eventual recessão económica tratem dele.
Se Marques Mendes era o seguro de vida de Sócrates, Menezes ameaça tornar-se o seu elixir da eternidade. Há quem olhe para isto apenas do ponto de vista do PSD. Mas as implicações são vastas. Com o CDS justa ou injustamente condenado a “ouvir” as célebres escutas a Abel Pinheiro sempre que abre a boca, as direitas partidárias em Portugal chegaram a um grau zero, reminiscente da sua secundarização durante o PREC. Pela primeira vez desde os tempos do VI governo provisório, é o PCP quem lidera a oposição. Se o PCP continuar à frente da contestação, o PS pode surgir em 2009, tal como em 1975, como a principal opção de voto dos que não alinham com as esquerdas radicais. Em 1985, a agressão contra Mário Soares na Marinha Grande lembrou a muita gente que em 1975, embora se dissessem marxistas e votassem radicalismos, foram os líderes do PS que protagonizaram a resistência ao PCP. Mais de vinte anos depois, talvez a nova polarização entre o PS e o PCP convença outros tantos de que, embora partido de esquerda e guardião do Estado social, foi o PS quem iniciou reformas de que as direitas nunca sequer falaram.
Há dias, Daniel Proença de Carvalho admitia, na “falta de uma alternativa”, a conveniência de uma nova maioria absoluta do PS. Alguém do PSD apressou-se a vir denunciá-lo como o porta-voz de “interesses”. Mas talvez não seja preciso ambicionar um canal de televisão para partilhar o ponto de vista de Proença de Carvalho. No princípio do mês, o barómetro da Eurosondagem conjugava a descida do PSD e do CDS com a subida do PCP, do BE – e do PS. Se o descontentamento de esquerda reforça o PCP e o BE, o desespero da direita joga a favor do PS.
Há ainda quem, à direita, espere que a “bipolarização” funcione em 2009, ou que a substituição de Menezes, à última da hora, salve a honra da casa. Podem ser duas ilusões. Os problemas do PSD não começaram com Menezes. Remontam, pelo menos, à dupla derrota de 1995. Os líderes do PSD ficaram então à espera de uma nova oportunidade para reeditarem a velha política de expansão das infra-estruturas e do Estado social. Não perceberam que precisavam de mudar de agenda e dar prioridade à reforma do Estado – como o PS, com Sócrates, percebeu. Quanto ao CDS, abandonado o populismo antieuropeísta do PP e perante a erosão da infra-estrutura partidária, não conseguiu resistir com convicção à velha estratégia de tentar salvar os votos suficientes para arbitrar a formação de maiorias entre o PS e o PSD. Daí a imensa decepção do governo de 2002-2005: só podia ter sido o que foi. Bastará a rotina eleitoral ou uma súbita “cara nova” para compensar o trabalho que ainda ninguém fez e a imaginação que ainda ninguém mostrou?
E que interessa isto a quem nem sequer vota à direita? Quando o pluralismo político não se traduz numa concorrência real, que obrigue quem vai à frente a aplicar-se e a fazer melhor, somos todos menos bem servidos. Um sistema político sem alternativa é, só por isso, claustrofóbico. Mesmo a esquerda precisava de outra direita.”
19.03.2008, Rui Ramos, Historiador.
Fonte: http://jornal.publico.clix.pt/ .
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