Robert Wescott foi assessor económico do Presidente Bill Clinton e agora faz parte da equipa que aconselha o candidato democrata Barack Obama. Esteve em Lisboa para participar numa conferência para clientes empresariais do Banco Santander Totta e diz que a Reserva Federal norte-americana faz bem em ser agressiva nas descidas de taxas e que o BCE devia começar a pensar em fazer o mesmo.
PÚBLICO – De quem é a culpa pela situação actual da economia norte-americana?
ROBERT WESCOTT – A situação realmente não é fácil. Podemos vir a ter uma recessão e é altamente provável que venhamos a ter um período de crescimento muito lento. Há vários factores que explicam este resultado. Um deles é que tivemos uma combinação de inovação financeira e taxas de juro muito baixas, que levou à criação de um fenómeno muito forte de consumo baseado na riqueza imobiliária. De 2004 a 2007, os americanos consumiram mais do que podiam, usando a sua casa como uma espécie de caixa multibanco. Como o preço da casa não parava de subir, usaram esse dinheiro para comprar automóveis e televisões com ecrã plasma. Agora, aquilo a que estamos a assistir é a inversão desse processo. Neste momento, de todos os americanos que compraram casa, 10,3 por cento estão a dever um valor ao banco que é superior ao valor da casa. Este é um dado impressionante e é um dos factores que estão a levar a que o consumo privado seja muito fraco durante o ano de 2008.
E significa que os problemas a que se tem assistido no segmento de crédito subprime se irão alargar ainda mais?
Sem dúvida. O malparado nos empréstimos para compra de automóvel e nos cartões de crédito, por exemplo, já subiu. Mesmo nos segmentos de crédito mais fortes, já se atingiu o máximo dos últimos dez anos no malparado.
Concorda quando se diz que é o resultado de uma política demasiado expansiva de Greenspan à frente da Fed?
Greenspan terá de arcar com algumas culpas. A Fed colocou na altura as taxas de juro em um por cento e manteve-as a esse nível durante quase dois anos. Foi o período mais longo de juros baixos em décadas. Numa situação dessas, coloca-se em movimento uma bolha no mercado imobiliário.
E agora? A Fed está a descer taxas de forma muito rápida. Não se pode estar apenas a criar uma nova situação perigosa…
Acho que não. Os EUA não têm, neste momento, um problema sério de inflação. O abrandamento da economia a que se irá assistir vai, por si, colocar a inflação a um nível mais baixo. O problema do crescimento é muito mais grave que o da inflação. O que está a fazer subir agora a inflação é o petróleo, mas este tipo de choques é geralmente temporário, não dura mais do que 12 meses.
Mas, até agora, apesar de a economia mundial já estar a abrandar, o preço do petróleo continua a subir…
Reconheço que estava à espera que o preço do petróleo já tivesse voltado aos 70 ou 75 dólares por barril, mas o abrandamento económico ainda vai produzir o seu efeito. Quando os EUA estiverem em recessão e as exportações asiáticas a diminuir, o preço do petróleo vai mesmo voltar a cair e de forma acentuada.
O pacote de estímulos aprovado pelo Congresso tem o potencial para ajudar a economia ou é só uma medida simbólica dos dois partidos em vésperas de eleições?
Claro que é um pacote marcadamente pré-eleitoral que os dois partidos tinham o interesse político de promover. Mas não é só isso. É um pacote muito substancial: 150 mil milhões de dólares vão fazer crescer de forma significativa o rendimento disponível durante o segundo e o terceiro trimestres deste ano. E é suficientemente grande para mitigar uma recessão. Podemos ter um primeiro trimestre de 2008 negativo, até podemos vir a ter o último trimestre do ano passado revisto para negativo. Mas o pacote fiscal pode ajudar a garantir um segundo trimestre positivo.
Neste cenário, as pessoas vão gastar o dinheiro?
Temos cortes de impostos que não são para os ricos, são para as classes mais baixas e médias. Estima-se que entre 20 e 40 por cento desse dinheiro seja gasto durante os seis meses seguintes, o que vai ajudar a conter a recessão. É muito dinheiro. Em 2001, George Bush fez um corte fiscal de 37.000 milhões de euros que alguns defenderam que ajudou a suavizar a recessão de 2001. Agora, esta ajuda é quatro vezes maior.
O futuro presidente vai poder tomar medidas do mesmo tipo quando for eleito?
Sou suspeito porque fui assessor de Bill Clinton, mas em 2001 entregámos um país a George Bush que estava em paz, era respeitado no resto do mundo e que tinha excedentes orçamentais. Desde aí tivemos uns sete anos muito maus. Colocámos o país em guerra, perdemos o respeito do resto do mundo e eliminámos todos os excedentes, acrescentando quatro biliões de dólares à nossa dívida. O país agora será entregue ao novo presidente numa situação de quase recessão e com uma dívida recorde. É um ponto de partida muito mau.
Os candidatos vão ter dificuldades em cumprir a promessa de estimular a economia…
O futuro presidente vai ter pouco espaço de manobra para estimular a economia e colocar em prática as medidas que pretende. Tanto Barack Obama como Hillary Clinton querem alargar a cobertura de saúde. Isso vai custar milhares de milhões de dólares e não será fácil de compatibilizar com o défice que existe. Em contrapartida, o que eles vão conseguir fazer pelo orçamento é reduzir a despesa no Iraque, que tem estado a sangrar os EUA do ponto de vista orçamental. Está a custar cerca de 200.000 milhões dólares por ano. O candidato republicano, John Mccain, quer manter a presença no Iraque e isto representa uma diferença de política significativa, também do ponto de vista orçamental.
Existe a ideia de que Washington está a ajudar a tornar o dólar fraco para ajudar as exportações. É verdade?
Acho que não, pelo menos de forma consciente. O que acontece é que os responsáveis políticos não estão sequer interessados nas evoluções cambiais, mas apenas na inflação e no emprego. Se o dólar continuar a cair para níveis ainda mais baixos, que comecem a afectar a confiança e os mercados financeiros, acredito que as coisas possam mudar de figura.
Como? A Europa pode vir a contar com a ajuda das autoridades norte-americanas para controlar a subida do euro?
Acho difícil. Compreendo as preocupações europeias, mas os problemas são especialmente agravados com o facto de as divisas asiáticas, especialmente a chinesa, não se estarem a apreciar como deviam, deixando o peso todo da correcção para a Europa.
O que acha da situação económica europeia?
Há zonas mais frágeis, como Espanha e Inglaterra. Mas na Alemanha e na França as coisas estão melhores do que esperava. Agora, se os EUA continuarem a ter problemas, a Europa vai senti-los e, brevemente, a atenção vai ter de estar muito mais no crescimento do que na inflação. Por isso acho que o BCE devia começar a mudar a sua atitude.
Read Full Post »